Franjas entrelaçadas

Sentada ao computador, coloco os auriculares e ponho uma qualquer playlist a tocar. Faço-o por hábito e não por necessidade. Quero dizer, hoje não precisava de me isolar ou desse impulso para a concentração. A casa está vazia, uma raridade num apartamento de seis pessoas… E tu estás aqui.
[Paro de escrever para sorrir.]
Consigo espreitar o teu corpo meio-sentado meio-deitado no sofá, descontraído, habituado à minha casa como se também tu vivesses aqui. Se tu soubesses o quanto me fazes bem… A calma. A confiança. A segurança. A paz.

Contrariamente ao que já pensei, acho hoje que a minha alma não pode ser invadida, possuída ou oferecida. Pertence-me, a mim e a mais ninguém, e não posso doá-la porque foi um presente de Deus. E na verdade preciso dela. Gosto dela. É bonita e boa, mesmo com os seus lados lunares.
Hoje já não estou perdida, sem rumo e no desespero de quem aguarda indicações.
Sou livre. Sei viver feliz só comigo.

Penso que a minha alma tem franjas.
Essas franjas encontraram as franjas de outras almas, bonitas e boas, feias e más, e as minhas franjas entrelaçaram-se nelas.
Essas tranças na minha alma foram moldando tudo o resto.
Fizeram-me feliz e cheia de amor. Despedaçaram-me com puxões violentos. Sufocaram sonhos e ambições. Deram cor e alegria e esperança.
Muitas franjas mantêm-se felizmente entrelaçadas noutras.
Algumas foram cortadas e perderam a ligação. Para o mal e para o bem.

A minha alma brilha quando dá a mão à tua.
Juntas têm as franjas tão entrelaçadas que a trança já é nossa. Por vezes confundo as minhas franjas com as tuas e acho que essa bela trança é a minha alma inteira.
Para me manter sã recordo-me: Sou livre. Sei viver feliz só comigo.
Por júbilo, tu estás aqui.
A preparar-te para viver feliz só comigo.

A minha alma pertence-me. Pertence-me para poder amar-te com cada franja que tenha.
[Paro de escrever para sorrir.]

—–
[Vou sempre remar, mesmo que não queira tanto.
Porque todos são os dias em que nos meus braços, que no meu barco, faltas tu.
E o que há de bonito no mundo não é nada sem ti.
Quero sempre ouvir, mas que saibas existir fora dos meus passos.
Só que, o que há de bonito no mundo, não é nada sem ti.]

“Adeus Amor Adeus” – Carolina Deslandes

Aeroporto – partidas

6765 dias,
482 semanas,
55 meses,
4 anos e meio.

E pela primeira vez sou eu a deixar-te nas partidas do aeroporto.
A ficar para trás, a ver-te partir.
Ainda que seja uma viagem de trabalho de 3 dias ou 62 horas, cada ausência tua provoca saudade. Mesmo as curtas ou breves.
Recarrego o site do aeroporto de 10 em 10 minutos, esperando a notícia de que o teu voo partiu… para poder começar a contar o tempo que falta para o voo de regresso.
Deixas ao meu cuidado o teu carro, e o teu cheiro está por todo o lado. Por isso fico lá sentada um pouco mais enquanto na rádio cantam sobre o nosso amor.

Bom… Ou sobre aquilo que eu achava que era o amor.
Como dizer “amo-te” ao acordar e ao deitar.
Dormir abraçados e dar as mãos em público.
Criar hábitos amorosos e mantê-los.

Bom, e é!… isso e tanto mais.
Essas coisas só ajudam a tornar tudo mais fantástico.

Porque ensinas-me que amar é não arredar pé, ao mesmo tempo que ficamos a ver partir. É ter confiança na promessa do regresso do outro, sempre. S-e-m-p-r-e. (Até mesmo quando não queremos que volte, ou sabemos que não quer voltar. Que amar é eterno, mesmo quando não gostamos tanto um do outro.)
E aprendemos que somos orgulhosos lamechas ridículos porque o abraço é apertado, o beijo demorado. Mesmo quando falta pouco tempo para o avião partir.
Ainda bem que sequestrei o teu casaco, ao qual me posso abraçar e sorrir…

“Encontre alguém que o ame sem razão e dê-lhe muitas razões para o amar” – Robert Brault

Queda e muda

John Singer Sargent, Nonchaloir (Repose), American, 1856 - 1925, 1911, oil on canvas, Gift of Curt H. Reisinger

Enquanto mordo o lábio recordo com ironia o último romance que li. Pensava na altura como apenas nos livros as tempestades da natureza adivinham os desastres que estão para vir… E tento pensar cientificamente – o tempo provoca a tristeza ou provoquei a tristeza num dia assim?
Deixo-me estar queda e muda pela casa. Re-olho o relógio. Re-verifico o telemóvel. Suspiro. Volto a morder o lábio. Entrelaço uma mecha de cabelo no dedo. Ajeito a roupa, sem querer vestir o pijama, protestando contra a ideia de que o dia terminou assim. Embora seja ridículo continuar a fingir…
Agito-me e volto a ajeitar as malas que afinal não precisava de ter feito com roupa e comida. Com planos alterados, fico meio perdida… Porque a esta hora devia estar noutro sítio… E deixo-me estar queda e muda. Re-olho o relógio, o telemóvel, o suspiro, mordo o lábio, despenteio o cabelo, a roupa bonita… E fico queda e muda, agitada por dentro. De felicidade suspensa, inerte.
Mas pronta na pista de corrida, à espera do disparo, da bandeira, de um sinal.
Olho a lista das compras que acabei por não fazer e a receita que ia experimentar, e dou por mim a roer as unhas nervosa. O que é que posso fazer? Sem ser estar só queda… e muda.

(Re-olho o relógio, o telemóvel, o suspiro, mordo o lábio, despenteio o cabelo…)

[Romance: Rebeca – Daphne du Maurier]

Manhã de chuva e cor

O despertador toca e eu quase ignoro, não fossem já os passos de criança pelo corredor. Lá fora reina a noite e os candeeiros de rua ainda estão ligados. A cara da sobrinha tem esse ar de princesa adormecida, ansiosa pelas aventuras do dia que se avizinha; a mais nova está “enfiada” no ecrã do telemóvel, aproveitando os minutos que lhe sobram antes de ter de enfrentar a chuva e o nevoeiro; eu convenço-me que as manhãs de Inverno têm beleza e que sou abençoada com água corrente quente que me desperta a alma.
Após a rotina matinal, saio à rua com a sobrinha apertando os casacos e abrindo os guarda-chuvas – e é neste percurso que reparo nos contraste na infância com a vida adulta:
a minha mochila cinzenta & a mochila dela cor-de-morango e verde-água;
as minhas calças e botas pretas & as suas calças vermelhas com ténis azuis e verdes;
o meu casaco castanho escuro & o seu casaco roxo;
o meu chapéu-de-chuva preto com pintinhas brancas & o seu lilás com bolinhas brancas.
Sou um conjunto de pretos, castanhos e cinzentos; ela um conjunto de cores quentes e garridas. Será efeito da idade ou da estação do ano? Ou de ambos?
Sinto inveja num misto de saudade e arrependimento; penso no blazer vermelho que guardo no armário para usar um dia; e em todos os desenhos animados de gabardinas e galochas amarelas.
Penso em repreendê-la quando deita a língua de fora para apanhar a chuva – alguém crescido disse-me algures na infância que isso não se fazia e dava dores de barriga – mas recordo que trago uns brincos vermelhos da cor do sangue, das rosas, dos rubis e do fogo. E fico feliz por ter saído da cama suficientemente cedo para acompanhá-la à escola com tempo, sem pressas ou stress ou correrias.
Passa o portão e caminha de costas para poder acenar-me o tempo máximo possível – o que correspondeu a 10 segundos, até encontrar uma amiga. Dirijo-me à biblioteca para trabalhar no maior obstáculo da minha vida; e enquanto ao longo da manhã as mesas se enchem de estudantes, a minha camisa de xadrez vermelho-branco-e-preto parece brilhar no meio das roupas escuras em redor. O que é claramente imaginação minha!… Mas que me dá o alento de que em breve dar-me-ei “ao vento como um veleiro, solto no mais alto mar”. E mesmo sem motivos, mantenho em mim essa alegria pateta de criança dos dias de chuva.

Mafalda Veiga – “Lume”

A contra-gosto admito a mim própria que a escrita me serve acima de tudo como processo de cura. Também lhe poderia chamar de introspecção ou reflexão, mas é mais como se sentisse que algo está partido e me sentasse com os cacos e a cola, tentando arranjar uma solução. Sei que não soa muito activo. “Tentar”? Não deveria ser antes “voltar a colar”? Talvez devesse, mas eu não consigo. A escrita para mim é ideal no momento em que preciso de pensar, organizar ideias, procurar alternativas, perceber os problemas. Tal como as listas e os planeamentos e as agendas. Acreditem em mim, que sou uma pessoa muito pró-preparação, quando me sento a escrever é porque iniciei o tempo da cura. Ou o tempo da ruptura. Depende. E preciso desesperadamente de escrever palavras nessas alturas. Porque o tempo da acção, o processo de ser feliz, eu simplesmente vivo-o. Vibra-me por cada célula do corpo, abre-me o sorriso, enche-me o peito. E não preciso de racionalizar nada, nem perceber os porquês ou descrever os detalhes, pois guardo-os no coração e evoco-os sempre que queira como se fossem o vento junto à costa. E a pele arrepia-se-me quando recordo a intensidade do amor que já vivi, que já senti; que já dei, que já recebi. E lamento mais tarde não ter escrito nesses momentos de êxtase e alegria, meramente pela conservação dessas memórias escritas que me poderão fazer falta num dia cinzento ou algures na melancolia do futuro. Talvez a escrita não seja a cura, mas antes o tocar na ferida ou o despertar ou o grito de revolta. Muito provavelmente é apenas uma chamada de atenção desta criança mimada. Talvez seja projecção para fora de mim num espaço que sendo meu não tem outro remédio além de aceitar o que não quero cá dentro. O que não consigo enfrentar e não quero olhar, e assim fingir que não faz parte de quem sou, nem do meu lado lunar nem da minha fase negra. Pois é quando me sinto abatida e dorida que preciso extravasar letras e palavras e frases e textos. Nas noites em que me enrolo e choro. Nos dias de desalento e esvaziamento. Quando a vida me insatisfaz. Quando me perco em preparações e não consigo arrancar para a acção. Quando os meus sonhos e projectos se esbardalham ao comprido. Quando estou triste. Quando sou infeliz.

Afecto

a·fec·to |ét|
substantivo masculino
1. Impulso do ânimo; sua manifestação.
2. Sentimento, paixão.
3. Amizade, amor, simpatia.
adjectivo
4. Dedicado, afeiçoado.
5. Incumbido, entregue.

a·fec·tar |èt| – Conjugar
(latim affecto, -are, almejar, esforçar-se por, aspirar a)
verbo transitivo
1. Fingir ter. = APARENTAR, SIMULAR
2. Empregar afectação em; ostentar presunção.
3. Causar desgosto. = AFLIGIR, DESGOSTAR
4. Fazer mal, causar afectação a. = LESAR, PREJUDICAR
5. Provocar determinado sentimento. = COMOVER, IMPRESSIONAR, TOCAR
6. Destinar a uso ou propósito específicos. = ATRIBUIR, DESIGNAR
7. Deixar transparecer. = EXTERIORIZAR, MANIFESTAR, MOSTRAR
8. Apresentar determinada forma ou aspecto.
9. Exercer influência.
verbo pronominal
10. Ter afectação.

“afecto”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/afecto [consultado em 28-10-2018].

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(Como começar?…)

Sentada ao computador faço contas ao tempo, insuficiente para a minha tarefa, e lanço um suspiro abafado.
Ele, que me espreita pelo canto do olho, tentando em vão disfarçar, finge que não ouve, mas muda para uma postura corporal tensa e alerta, indeciso se é de acção ou inacção que eu preciso.
Sugiro pausa para jantar e tento comentar levianamente que não devo conseguir entregar o trabalho a tempo… mas não sou bem sucedida e… em ligeira agonia… começo a chorar… e a soluçar.
De repente ele está junto de mim, braços abertos e peito livre para me abrigar. Não diz quase nada, enquanto o aperto e me escondo no seu ombro, fica ali a segurar um farrapo de pessoa, com toda a sua atenção completamente dedicada a ouvir o meu lamento. E com a frustração de não poder fazer mais do que estar presente e dar apoio, sussurra baixinho e serenamente palavras de conforto e ânimo. Afasta a pesarosa depressão com ânimo leve e um carinho do mais profundo, de quem ama demais para conseguir achar que um defeito seja prova da existência de um lado sombrio.
Baixo a cara ao chão com vergonha de o encarar, mas apenas serve para que me possa depositar um beijo no cimo da cabeça, voltando a me abraçar.
E no meu estado profundamente afectado, sinto aumentar o afecto que lhe tenho, sinto o imenso afecto que ele tem por mim. E amo-o, mesmo na tristeza. Porque ele não descansa, sem me ver feliz.

Carolina Deslandes – “A Miúda Gosta”

A pequenina

Sentada numa esplanada dentro do centro comercial, ouço um programa de TV enquanto espreito os cartazes do cinema e actualizo as redes sociais. Faço tempo à espera da pequena e amigas, para as levar para casa onde a mãe e a mana-mãe preparam o jantar de aniversário. Recorro à memória e faço o exercício para o qual apenas a idade nos treina – relembrar e comparar. Aquela irmã bebé chega aos 15 anos, toda ela alegria mas também melancolia, espírito de alta sensibilidade e personalidade modesta de artista, da minha altura (talvez muito ligeiramente mais alta) e feita mulher, a querer conhecer as coisas a fundo para possuir argumentos que justifiquem a sua voz própria, que pensa nos outros e se preocupa com todos, que partilha com naturalidade mas necessita do seu espaço em silêncio e de tempo para se isolar. Esta irmã, que o pai me ensinou a pegar ao colo na maternidade, à qual eu e a mana-mãe pregávamos partidas e petas, com quem partilho o quarto e que tão depressa deseja que eu saia de casa como se lamenta com o aproximar desse dia.
A mana mais nova será sempre a minha irmã pequena – passe o tempo que passe, cresça ela o que crescer.

Pele de galinha

A tarde vai a meio quando o sol decide sorrir, por isso na pausa do lanche sento-me com os pés descalços na relva e tiro a camisola. Fico com um top demasiado curto, mas nas traseiras da casa quase ninguém passa e por isso descontraio ao sabor da brisa que me deixa com pele de galinha – mas aquela da boa, sabes?

E apesar de ser só uma pausa, só por um pedacinho, inunda-me aquela felicidade que certos espaços provocam em nós.

Sou tão abençoada.
Penso-o. Sei-o. Mas digo-o pouco. Gostava de ser capaz de partilhar tamanha fortuna com tanta gente, sem provocar coisas negativas, sem ser “a esfregar na cara”, sem que os outros se sentissem espezinhados ou desconsolados pelas desgraças que nos atingem de quando a quando. Porque neste momento, estou feliz e em paz. Tenho de agradecer mais vezes. E esse tipo de certeza causa-me um pouco mais de pele de galinha – mas aquela da boa, sabes?

E apesar de ser só uma pausa, só por um pedacinho, inunda-me aquela segurança que certos espaços provocam em nós.

Ele chama-me ao aqui e agora. Como um rochedo, como uma âncora, como o poço do bem querer a alguém. Ele chama-me a atenção para o tempo da pausa.
E pela primeira vez desde há muito tempo – tanto que já nem lembro há quanto tempo não me sentia assim – levanto-me com determinação. Com vontade.
E não me sinto frustrada, deprimida ou desolada por ter de voltar para dentro. Não sinto que o meu único consolo é ao menos entrar sol pela janela. Não sinto que não sou capaz.
E esses tipos de não sentir causam-me um pouco mais de pele de galinha – mas aquela da boa, sabes?

A Vizinha-Irmã

Apenas Sábado me cai realmente a ficha, quando ela partiu na quarta-feira.
Saio de manhã com o carro e penso “tenho de mandar mensagem a perguntar se ela logo quer boleia… Ah, espera, ela não está cá.” Ela não vai estar cá quatro meses. Quatro longos meses. Quatro curtos meses. E sinto saudades dessa vizinha que é como minha irmã. Que é minha irmã de coração. Agora com quem lancho e desabafo aos Sábados à tarde??
E espreito o instagram dia-sim dia-não, para ver se ela está bem, para me alegrar com a aventura dela. Tanta coragem!…

Volto vários anos para trás; para outra casa, para outra rua.
Estou sentada a brincar com a minha (na altura única) irmã na carpete da sala, a mãe e o pai em cadeiras de madeira escura da mesa de jantar, dois estranhos no sofá, uma bebé embrulhada em mantinhas e amor que passa de colo em colo.
Que idade tenho? Entre os 6 e os 7, acho, talvez uns meses antes de entrar na primária. E essa bebé, dizem os estranhos, tem cerca de um mês. Os adultos conversam os quatro, animados, bem-dispostos, com sorrisos. (Espera, o pai estava lá ou estaria a trabalhar?)
E essa menina passa a estar lá em casa, “sempre”.
Acompanho a mãe nos gestos, mais perto ou mais longe, com aquela curiosidade que não largo desde antes dessa altura. Não me lembro de ter sentido inveja ou ciúme. Lembro-me de me dizerem que “assim quando tiveres filhos já sabes trocar fraldas e cuidar deles”. Lembro-me que ela dormia as sestas de olhos semi-abertos, e por isso não sabíamos se já era seguro pirarmos-nos da cama para ir ver TV. Lembro-me que em casa dela o sofá tinha uma gaveta-cama por baixo, e que na brincadeira lhe partimos a cabeça – e lembro que ficámos tão assustadas que os adultos mal precisaram de nos dar um ralhete.

Acima de tudo, lembro-me quando a mãe deixou de ser ama dela, e como isso foi triste para todos. Mas ela/eles moravam ao fundo da rua, do outro lado da estrada, por isso estavam perto. E de como quando mudámos de casa, sem que tal fosse combinado, eles também mudaram – para o fundo da nossa rua, do outro lado da estrada.

E ainda me lembro dela contente pela minha irmã mais nova ter nascido!
O que não me lembro, foi quando comecei a contá-la como uma das minhas irmãs, e passou a ser a minha vizinha-irmã.

Ela é minha vizinha desde que nasceu. Mas agora, está a viver tão longe… a minha irmã de coração.

O meu Valentim

O combinado era fazer qualquer coisa. Cancelámos planos de ir jantar fora, para fugir ao típico romântico. (Apesar de em segredo sermos do mais lamechas que há.) E calhou que cada um planeou em segredo actividades para o dia dos namorados, para surpreender o outro; esperando que ele melhorasse a tempo, sem prever que eu ficaria de cama doente. Bolas.
Adiam-se os planos secretos dele para vir cuidar de mim, ignorando por completo o monstrenga em que as gripes deixam uma pessoa.
Ele chega e faz panquecas, manda-me voltar para a cama, faz um chá especial, aperta-me o roupão no pescoço, tapa-me os pés com uma manta.
E enquanto eu colecciono lenços de papel amarfanhados, ele diz “estás tão bonitinha” e quase me faz acreditar que é realmente assim que ele me vê: bonita, com a cara pálida, olheiras nos olhos, e ranho a pingar do nariz.
Ali está ele, cheio de amor por mim, com olhos de apaixonado, feliz por podermos adiar o dia dos namorados, pela oportunidade de tentar que todos os dias sejam para namorar.
Ali está ele, correndo o risco de voltar a ficar doente, a ignorar os seus próprios avisos e a dar um beijinho rápido, sem respirar, como se isso impedisse muita coisa.
Ali está ele, o meu Valentim.
“Na saúde e na doença.”
Bolas, rapaz… és o melhor.