[Diário escrito nos anos de 2000 e 2001]
“Terça-feira, 10 de Outubro.
Hoje, aula de Música. Mas a professora faltou. Faço, portanto, exercícios de escrita. O chefe de turma, MaFulu, um aluno muito alto e muito mau para todos os camaradas, grita-me:
– Ma Yan, não podes fazer esses exercícios, estamos numa aula de Música!
Replico:
– Se os outros podem, por que só me impedes a mim?
Ele começa a gritar:
– Estou a falar contigo, não me importo com os outros!
Sinto raiva no coração. Quando for crescida, irei para a universidade e serei polícia. E prometo a mim própria que o punirei sem hesitar.”
“Segunda-feira, 10 de Setembro.
(…)
O que disse ao motorista não é verdade. O professor diz-nos que os estudantes não devem mentir, que devem ser honestos. Mas eu não tinha outra opção. Pedi dinheiro ao meu pai, ele respondeu-me que estamos sem dinheiro: poderei ignorar as dificuldades com que a nossa família se debate? Não lhe pedi mais nada. Se tivesse voltado a pedir, ele ter-se-ia zangado.
Se contasse toda esta história ao motorista, ele teria troçado de mim, e sobretudo do meu pai. Decertp teria pensado: «Que pai! Um inútil! Nem sequer pode pagar o preço do transporte da filha!»
O meu pai faz o melhor que pode. Não quero que me digam mal dele. Foi por isso que menti.”
“Terça-feira, 18 de Setembro.
(…) vamos buscar a nossa refeição, mas já não há nada. Alguns professores estão sentados na cozinha. Propositadamente, reclamo, em voz alta:
– Os nossos ventres clamam por comida! Apressámo-nos a vir buscar a nossa refeição, e não encontrámos nada! Nós, os alunos, sonhamos de manhã à noite com estas duas tigelas de arroz. Em que estado querem que terminemos o dia? Se houvesse pão, ainda nos contentaríamos, mas não há. Além disso, está um dia de chuva! O ânimo dos alunos está fraco, sobretudo de bariga vazia!
(…) Mas também reflicto sobre outro ponto: para ser boaaluna, não terei igualmente de suportar a dor?”
“Quinta-feira, 20 de Setembro.
(…)
Ele, então, pergunta-me se já comi.
– Com certeza…
Mas ele compreende que não é verdade:
– Ainda não comeste, porque tens a bocaseca. As pessoas que comeram têm os lábios húmidos.
(…)
Não é possível descrever o sentimento de ter FOME.”
“Segunda-feira, 29 de Outubro.
(…) Algumas raparigas mudam de roupa quando vêm para a escola, enquanto eu só tenho uma muda, umas calças e uma blusa branca que tenho de lavar aos sábados, em casa, paraa voltar a vestir a segunda-feira.”
“Terça-feira, 30 de Outubro.
(…) Sabem o que é ter fome? É uma dor insuportável.
Pergunto a mim mesma quando deixarei de sofrer de fome na escola…”
In “O Diário de Ma Yan – A vida quotidiana de uma criança chinesa”