Aqui

Ecoa-me numa constante: “Esta é a noite!…”

Conheço esta sensação de urgência em escrever, procuro de onde surge, o que a causa, tento racionalizar a emoção, a dor, a alegria… Tudo voa tão rápido. E em mim a escrita faz o seu papel de varrimento mental, libertando o coração (e as lágrimas) que precisam de liberdade. Quão complexo é viver, que me traz a imensidão da felicidade e a profundeza da tristeza, num ímpeto único? Aprendendo a se não anular, renunciam ao domínio, co-existindo para prejuízo de uma e necessidade da outra.

“Esta é a no-oite!…”

E tendo tanto, mas tanto que fazer, encontro-me parada sem encontrar sentido no fazer, como se fossem vãs todas as minhas preocupações e angústias, restando somente a preocupação e a angústia. Mergulho a letargia em que forma de arte? Porque tardam tanto as lágrimas, que me assaltam o ânimo, a partir para o meu rosto?

“Esta é a no-o-oite!…”

Faltam-me os sinos, a carpete, o silêncio, a vigília da noite, o chá quente, o cheiro das velas (espera, que este posso resolver já…), a harmonia familiar e a cumplicidade da irmandade. Enquanto me invadem imagens de um futuro próximo, que por hábito continua a mudar de rosto, e oiço já o fulgor da festa de bairro e de pessoas errantes em demanda, e o meu coração é já ninho de amor e pássaro que migra ao encontro da Primavera.

Só que hoje estou aqui. Aqui. A perceber como se vivem os momentos. Aqui.

Domingo

Oferece abrigo ao meio da manhã de Domingo. Frescos e em sossego, calmos mas despertos, atarefamos-nos todos na preparação da Eucaristia – dentro da igreja, a Igreja acomoda o espaço e ao espaço se acomoda.
A Palavra, o órgão, as alfaias litúrgicas, os crentes. No ar o sussurrar de conversas em voz baixa, de quem não consegue ler em silêncio, de quem passa o terço entre os dedos. Olho as figuras e as imagens, as pinturas e as esculturas, a assembleia que se reúne com os seus fatos de Domingo.
Olho e rezo.
Rezo pelas avós: uma marrequinha e outra de bengalinha.
Rezo pelo Papa e guardo em mim espaço para o que há-de vir. Para Ele – Palavra e Pão.

«Ser cristão não é um trabalho “das nove às cinco”, ou um “hobby” de fim-de-semana; mas é um compromisso a tempo inteiro, que deve marcar cada pensamento, cada atitude, cada opção, vinte e quatro horas por dia… Estou consciente dessa exigência e suficientemente atento para marcar, com o selo do meu compromisso cristão, todas as minhas acções e palavras?»
«A Palavra de Deus que hoje nos é proposta contém uma interpelação especial a todos aqueles que desempenham funções de responsabilidade, quer na Igreja, quer no governo, quer nas autarquias, quer nas empresas, quer nas repartições… Convida cada um a assumir as suas responsabilidades e a desempenhar, com atenção e empenho as funções que lhe foram confiadas.»

Assim seja.

Aquele que fica.

Talvez seja do dia ter começado no aeroporto, a dar beijinho e “boa viagem!”, vendo-os partir.
Ou dos pais terem repetido tanta vez: não faças aos outros o que não queres te façam a ti.
Mas hoje eu, aquela que anseia por partir, por sair daqui e correr o mundo, por viver e trabalhar lá fora, por ser estrangeira e achar outros lares, sinto o peso do abandono de ficar para trás. De ser aquele que fica.
Quase que me arrependo de todas as vezes que sonhei em ser aquele que vai. Quase.

Trago à memória o velho sonho de ser cidadã do mundo; tal como um café que existia há 10 anos atrás e a voz que me disse não. Todos os esforços que não apliquei pela falta de apoio. Todas as tentativas que não fiz pela falta de recursos. Todas as oportunidades que desperdicei pelo medo de perder tudo.
Trago à memória o renovado sonho de ser cidadã do mundo; e aquela noite em que me apercebi do egoísmo de “sabes, nunca penso na hipótese de ires tu para fora, apenas que um dia eu vou e tu vens comigo”.

Neste Verão, sou aquele que fica.
Sinto-me estagnada e parada, na mesma. Agarro-me ao telemóvel e às redes sociais, desejosa de notícias para poder viver as partidas dos outros como se minhas.
Ainda bem que, pelo meio, lá aparece uma ou outra frase motivacional: Nada do que realmente vale a pena se alcança sem esforço.

E lá diz o povo (ou talvez seja só eu): O que não tem remédio, remediado está.
Rezo uma oração com saudades, lanço uma prece pelos que amo, e continuo o esforço de ficar e trabalhar. Amen

“Taizé, Um sentido para a vida” – Olivier Clément

“O jovem actual tem uma cabeça que funciona a grande velocidade, seja sobre ideias e sistemas, seja simplesmente sobre os desejos e aspirações que lhe fornecem os meios de comunicação social. Mas os espaços do coração são espaços por cultivar, e é muito importante pacificar as inteligências para que talvez, então, elas possam escutar a oração.”

Limpar a poeira.

São as limpezas do ano velho, a arrumação do ano novo.
O estar-se apaixonada. O sentir-se despedaçada.

As brechas, as falhas, os erros. Um problema.
A insónia e… Não saber explicar.
A(s) oportunidade(s) que são criadas, que aparecem, que forçamos.
Como quando tudo bate ao lado… Estejamos ou não preparados.
Como quando tudo corre do jeito certo… Estejamos ou não cientes disso.

Avizinha-se tanta coisa!… E nós, os jovens, (ou miúdos), sentimo-nos como o país… cansados e desanimados. Velhos. E um tanto ridículos.
Felizmente, dura apenas uns minutos do ano. E como temos tempo, passamos por eles devagar… Porque todos os restantes servem para vivermos. Alegres e em festa, em maior ou menor quantidade. Para rirmos e chorarmos, ao mesmo tempo ou em momentos diferentes. Para crescermos, ou para nos recusarmos a fazê-lo.
Para sacudirmos o pó e estarmos mais leves, com espaço para acumularmos mais.

No fim/início do ano pouca coisa correu como quis.
Ainda bem que tenho 364 dias para recuperar. Bom ano novo!

Quieta, e em silêncio.

Estamos os seis em casa. Com a avó “da terra” (que está de visita para os seus anos, Natal e Ano Novo) passamos a sete.
A mesa da cozinha foi aberta para cabermos todos. E os dois sofás da sala encontram-se cheios quando, após o jantar, nos sentamos para rezar. E depois ver TV. Aproveito para sair dali e fechar a porta, deixando a confusão e a agitação de uma família reunida para me isolar um bocadinho.
Após oito horas com crianças irrequietas, distraídas, desobedientes, birrentas, totalmente focadas nos seus direitos e esquecidas dos seus deveres; após oito horas de trabalho, de falar alto, de ser chamada para todos os lados, de fazer de monitora, árbitra, treinadora, educadora, assistente, amiga, polícia, enfermeira, mazona, e etc; após o frio da tarde e o telemóvel que não sossegava e todas as mil preocupações de tudo o resto; isolo-me no quarto, e paro para escrever.
Tenho tanto que fazer! Tanto trabalho em atraso! Tanto que estudar!

Mas paro e escrevo.
Fecho a porta do quarto e ignoro todos os barulhos.
Fecho os estores das janelas e decido que, se já chegou a noite, o dia lá de fora também acabou para mim. Apesar de ser “cedo”, mais nada me chama para fora do meu quarto, porque estou cansada e quero ficar aqui, em sossego.
E para isso tenho a lâmpada da secretária e uma vela na mesa-de-cabeceira; o pijama e os cobertores da cama; os computadores no colo e à volta para poder trabalhar; as agendas, o moleskine e o gps; o telemóvel.
E chega!, que hoje não preciso – nem quero – mais nada.

Assim fico, quieta, e em silêncio.
E fico tãããoo bem…

Oração

Indica uma placa à porta: “CAPELA”. Está aberta, e eu penso no refúgio daquele espaço enquanto se estaciona o carro. Contudo, aparece um senhor que fecha e tranca a porta, comigo do lado de fora. E por um segundo toda a minha fra(n)queza se expressa: Ele acerta nos timings todos.

Como se Ele, alguma vez, dissesse “não, hoje Eu não quero nada contigo” ou “estás de castigo”. Como se Ele fosse de se vingar. Oh, bem sei que lá está na Bíblia, esse Deus castigador. Ouço a pequena Leslie* dizer: “Acho que Deus está demasiado ocupado a cuidar de tudo isto” abrindo os braços para a floresta. Que bom seria se ajudássemos um bocadinho.

Com o fim do Verão é preciso gastar os últimos dias e aproveitar os últimos trocos. Fala-se em viajar – os ondes e os quandos. “África podes riscar toda”. Não, não posso – penso eu – a menos que seja com um check. Mas não é altura para falar de um ano de missão. Tal como não tem sido altura para Te falar de quase nada…

Desculpa. Estás comigo e eu vou dando por Ti, no caminho, no trabalho, nele, em mim e a toda a volta. Lanço-te micro-orações, em versão de resumo, pois quando tiver mais tempo rezo a sério. Hei-de tirar um tempo para Te louvar, como deve de ser, de coração. Passa o dia, passa a noite, passa o tempo… E se Tu não fores paciente já estarás cansado. Até de ouvir a desculpa: já não sei como isto se faz. Como se alguém deixasse de saber falar com um amigo, de respirar, ou de sorrir. Mantenho as mesmas perguntas, adiciono dúvidas, na construção daquela vida que nunca pensei para mim. Como é que será a seguir?

Vais-Te zangar comigo se continuar a fugir um bocadinho? Se chegar tarde e a más horas a casa? Eu prometo que regresso!… Espera por mim, porque terei mil coisas boas para Te contar. Mas deixa-me fugir… Só mais um bocadinho.

(* filme O Segredo De Terabítia, 2007)

#wojtyla24

“Eu digo: Braço, perna; cabeça, coração!”

Dizem que é uma corrida, que temos de levar material de desporto, que vamos precisar de tomar banho. E levamos uma mochila (parvamente) pesada às costas, que carregamos por meia Lisboa. Somos todos jovens, a maioria adolescentes, muitos seminaristas (com a graça de Deus!).
O ambiente é animado, divertido e alegre. O tema? Esse já é mais pesado…
Pedem-nos para escolher, para tomar decisões. Pedem-nos para sermos felizes. E vamos correndo e cantando!
Rimos até nos doer a barriga e as bochechas, até o sorriso ficar colado aos dentes.
Falamos com este e aquele, partimos em missão: “Nós corremos e não ficamos parados porque Deus nos ama e queremos partilhar essa alegria! Podemos dar-lhe um abraço?” E tanto recebemos sorrisos como nãos. Continuamos.

“… que queres de mim?”
Permanece a questão.
O cansaço é muito, a vida está toda ela a mudar e os planos andam à deriva. Aguentamos o máximo que o corpo deixa, e depois temos de olhar para a corrida da vida e pensar: “é isto?”.

E pensamos como terá sido com o treinador. A confiança que depositou em Deus. Como viveu tempos muito difíceis, em que lhe queriam tirar o direito de ser gente.

A Corrida Wojtyla durou 24 horas… Mas tocou em momentos de uma vida inteira. De várias vidas cristãs, em pleno esforço de cumprir os desígnios do Senhor.
“Mas algum dia saberás o que Deus quer para ti? Quero dizer, será que vais perceber: «Era mesmo isto que Deus queria!»?”

“Eu digo: Cabeça, coração; braço, perna!”

Mau (início) de semana

Ao fim de dois dias, o cenário para a semana é desanimador.
Dói-me a barriga, parti uma unha, tive um acidente de carro que envolveu uma bicicleta (mas cujo ciclista se encontra bem), uma amizade a ir à viola, uma mãe que me acusa de negligência familiar, poucas refeições dignas desse nome por falta de tempo, o meu quarto num estado igual ou pior do início do Verão (e eu sem saber por onde começar), dói-me a barriga e está frio.
O consolo de uma chávena de chá e de um bolo xadrez passou depressa…
Procuro conforto em tudo o que tenho à mão arrastando para a cama uma dezena romana, o telemóvel, o mp3, o computador, e o “Hades”. À minha espera estava uma almofada grande que quase me abraça, assim como a mantinha azul que fui buscar ao armário esta tarde.
Mas não acho posição… Estou toda dorida, sem saber se é da aula de dança (momento alto da semana até agora), se dos nervos ou se estarei a ficar doente. Também pode ser apenas falta de sono, por ter dormido quase até ao meio-dia…

A porta abre-se e especulo um ralhete pelas horas, pela luz acessa, pelo martelar das teclas. Nada. A matriarca sofre de insónias e vem apenas espreitar. Resolve ler o livro que lhe emprestei, a fim de que o sono venha mais depressa.
Termina assim o meu lamento. Cessa a minha auto-comiseração.
Posiciono-me e “positivo-me”: a semana não chegou a meio, mas apesar do que tenho para resolver tudo pode ficar bem. Pego num bocadinho de fé, junto-lhe boa vontade e concluo que com esforço consigo resolver tudo da melhor maneira. Mudo assim a minha oração. Deixa de ser (como diria um amigo) “Caramba, pá!” para “Faça-se como Queiras, que cá estarei para lutar pelo melhor”.
Medito e descentralizo-me de mim própria: pensando nos outros noto como os meus problemas não passam de meras arrelias. Lembro as dores do ciclista, as mágoas que provoquei, a paralesia que mal deixa a velhinha mexer-se, a falta de atenção a cada um dos membros da minha família… Ainda mais muda a minha oração. Quero ser instrumento cheio de luz e amor em vez de um furacão com más energias.
Digo aos anjos e aos arcanjos que quero estar do seu lado e ajudar no imenso trabalho que têm. Ofereço as minhas dores e tormentos, eu que estou deitada numa cama quente e confortável, de estomâgo cheio e com roupa lavada. Eu que estudo e trabalho, que danço, rio e passeio. E que ainda hoje recebi um vestido novo, o mais lindo do meu armário.

Eu, que sou tão abençoada. Aleluia!, voltou o bom humor.

Designação de categoria: Leitoras

“Tínhamos o nosso próprio mundo a que mais ninguém tinha acesso.”
“Halo”, Alexandra Adornetto

22H45
Momento precioso (e raro, pois estou deitada e de pijama):
A pequenina lê “Diário de um Vampiro Banana 2”. Eu estou absorta em “Halo”. Sou obrigada a deixar Xavier Woods (a minha mais recente paixão) por uns momentos…
– Oh Vera, eu não percebo… Existe um concílio de vampiros, mas a família dele é única… Como é que funciona? É um concílio familiar?
Não tenho resposta.
– Ai, estou cansada… Mas olha estou a ler tão bem que em vez de ler duas páginas li cinco!! Mas já chega…
Olho para o livro que tenho nas mãos: é o 2ºdia, vou na pág. 225, com perspectivas de acabar em breve as 166 que faltam.

Recordo outro quarto, outra casa, outra irmã, estas mesmas camas. “Lê em voz alta, Vera…”. E eu começava, fosse o Harry Potter, o Clube das Chaves ou qualquer outro, com grande entusiasmo. “Vera, estás a fazê-lo outra vez!”, “O quê?” dizia distraída, forçada a sair do livro… “Começas a ler alto, depois cada vez mais baixo, a seguir aceleras, por fim calas-te, mas fazes sons e ris sozinha!”.
Na verdade, ainda hoje o faço…
Com a idade desenvolvi a capacidade de ler e andar na rua, e é por isso que adoro andar de transportes. No mp3 tocam músicas de amores antigos de livros que ganham pó. A SM traduziu de maneira perfeita:
“… Foi o facto de adorar ler, de ter vivido mil aventuras – de ter sido mil heroínas, e me ter apaixonado mil vezes.
Volto a correr para Xavier Woods e para Gabriel, sabendo que estou apaixonada.. Já pouco importa a música ou a falta de sono da pequena. Ardo em ânsia para estar com eles, sem escolher um, e sabendo que tenho mais dois na secretária. E agradeço ao Senhor os dons que me concedeu. Oxalá um dia eu possa retribuir tudo o que de bom sinto… Oxalá Gabriel esteja por aí, e posso eu perceber o meu caminho.
Até lá, fujo para todos os mundos que encontro nas palavras de um bom livro, na melodia de uma canção… Sem me esquecer de ser feliz.