Agitação

Procurar abrigo naquele espaço nosso. É disto que se trata. De não ser carne nem peixe, e precisar de ser algo. Precisar de ter posse sobre. E de controlar o tempo, ou poder tirar horas infinitas num vácuo qualquer, sem prejuízo para ninguém, com permissão para estar a não fazer nada. Permitir! Corrijo, afinal é disto que se trata. De permitir ter necessidades próprias, de precisar de segurança e ajuda, disso ser uma aprendizagem difícil e estranha e libertadora. E desesperante. Crescer, é disto que se trata. De como é bom e maravilhoso, e de como não é bom nem maravilhoso. Bolas, voltei ao estado indefinido. Recomeça, Vera, abandona o meio. Decide-te, faz uma escolha, fixa uma posição. É disto que se trata, este medo de escolher errado. Este esperar até à última. Da pressão e do coração apertado, acelerado, acabrunhado. Talvez seja da idade, que disto se trata. Dos sinais do corpo para abrandar e cuidar e destressar. Das dores, das tensões, dos bloqueios, das irregularidades, do sistema nervoso e do sistema imunitário. Da imprevisibilidade da meteorologia.

De saudades do que ainda não aconteceu. De querer pular a fase do ‘a acontecer’ para o ‘feito’. Afinal é disto que se trata – de que já devo horas à cama. Mas a agitação não me deixa parar, não me deixa acalmar. Respira, Vera, copo meio cheio. ‘Eu estou bem, e o mundo também.’

Ou há-de ficar.

É só uma pequena agitação.

Skate park

Tenho 1hora até ir buscar uma amiga ao expresso e estou sozinha.
A minha saída foi desmarcada, outra amiga está ocupada, noutro telefonema deram a entender que já o ter ligado estava a empatar.
Vou para casa, mas o calor é tanto que sei que tenho de ir para a rua. Então, vou ao Mc comer um gelado.

Sento-me na esplanada, reparo que um vizinho meu está numa mesa perto com amigos, e olha-me de modo estranho. Ignoro. Saboreio o meu stracciatella lembrando-me que, apesar de o querer devorar, ainda tenho tempo para gastar.
A paisagem consiste em homens adultos a andar de skate. O que me interessa completamente: são homens, na casa dos 30’s, jovens adultos, feitos, com cabelos a ficar grisalhos, com barriga e com roupa mais composta que o típico skater (estereótipo ao rubro!). Um deles com braçadeiras, mas todos de skate, a andar, a treinar, a fazer truques, manobras ou movimentos em rampas e corrimões!
Quase esqueço o gelado! (Quase…)
Calculo pois que terão mais idade de homens do que eu tenho de mulher.
Observam-se atentamente uns aos outros, não como se testassem forças mas procurando ajudar e melhor o outro. Não ligam a quem está à volta, não fazem barulho nem procuram chamar à atenção ou exibir-se. Especulei que servia para se divertirem…

Mas também não se riem, não parecem contentes ou super felizes.
Chega meia dúzia de rapazes, que talvez andem na casa dos 20’s. Observo e comparo. Não são iguais… Excepto na expressão.
Também não se riem, também mal conversam. Mantém-se todos em movimento, mesmo quando a estratégia é agora tu, agora eu. E estão todos concentrados, atentos, focados.
Quando se cansam, os rapazes sentam-se ou deitam-se no chão. Os homens continuam, descansam em pé, a ver quem anda.

Visto o casaco e sinto-me mais normal. O termómetro da farmácia apontava 19ºC, e isso para mim é frio, não um calor insuportável como sentia. No skate park estão todos de t-shirt, calças ou calções. Confortáveis.
Será que estou irritada por ter passado o dia a conduzir de saltos? Será que devia ter ido a casa tomar um banho para me refrescar? Comprado álcool ou ir até ao Bairro Alto?

Noutra mesa sentam-se uns putos que falam de bonecas insufláveis, de variadas idiotices em discotecas e usam todos os palavrões.
Mal têm barba.
Levanto-me e conduzo para Lisboa, antes que me sinta velha demais e vá tentar aprender a andar de skate em saltos altos.

Tempo de Verão

Em Janeiro começo a fazer planos de tudo o que vou fazer no Verão:
férias para aqui,
fins-de-semanas para ali(s),
arrumar o meu quarto,
sentar-me à máquina de escrever,
andar de bicicleta,
fazer caminhadas,
passear e comer gelados,
PRAIA,
costurar e bordar,
terminar os meus projectos manuais,
produzir artesanato,
dar uma volta ao armário da roupa,
estudar mil e quinhentas coisas,
LER as pilhas de livros que espalhei pelo quarto,
ler o jornal e revistas,
aprender uma língua nova,
juntar dinheiro,

Oito meses depois dou conta que o Verão, esse, é cada vez mais uma ilusão minha.
Junho é mês de frequências e exames,
Julho é mês de trabalho de Verão e de juntar dinheiro,
Agosto é mês para descansar, e após as férias para aqui e os fins-de-semanas para ali(s) o meu porta-moedas volta ao tamanho do costume…

Todos os planos de “coisas para fazer nas férias” ficam iguais para mais um ano…
Se isso me incomoda e irrita? Sim!
Se já só quero que venha o dia de amanhã para ir de férias e deixar tudo isso para trás? Mega-sim…

Onda

Estávamos no Terreiro do Paço, junto ao Tejo.
Foi nesse fim-de-semana em que pelo País atravessou uma onda de calor.

Eu tinha um vestido novo, que tinha acabado de pingar com gelado, assim como o meu cabelo, pescoço, braço e mão. Ajudaste-me a limpar, pois há muito que tinhas acabado o teu gelado, que por sinal era maior que o meu. Eu estava descalça e sentada junto a ti, que fumavas um cigarro.
Estavam várias pessoas por ali, como nós, e parecia que todas esperavam algo. Umas acompanhadas, outras sós, mas todas meio-paradas, a olhar…
Reparei então como a noite era escura. Partilhei-o contigo, meio alarmada, que respondeste serenamente: “É noite de Lua Nova”.

Mais tarde, quando iniciámos o regresso para o carro, queixaste-te que os Restauradores pareciam tão longe… E eu estava radiante.
Estava só contigo, num Domingo à noite, completamente exausta. Tinha tanta coisa para fazer, assim como tu, mas tinhamos fugido um pouco para sermos apenas nós.

E tu, atrapalhado, confessas que não tinhas tido vontade de encetar essa fuga. Tinha tratado-se de um esforço para ser simpático, para agradar, de me fazer a vontade. Quebra-se-me o sorriso por um momento.
Então percebo o teu problema: procuras reconhecimento.
Apenas queres saber se me fizeste feliz, se conseguiste, se valeu a pena. Erras um pouco nas palavras ou no jeito de as dizer, mas capto a mensagem. Conheço-te ao ponto de saber que precisas que diga “Obrigada”, pois não reparas no meu dançante andar de alegria, na quantidade de vezes que te puxo e te abraço. E que nunca te lembras que há coisas que sei cá dentro, como essa de agires com pouca vontade.
Mas tocas-me e dizes que gostaste muito. E sorrimos o tempo quase todo. Falamos, falamos, falamos, seja do que for, e acredito que é destas coisas que vivemos: dos mimos que oferecemos. Dos planos e das infinitas “promessas” do tipo um dia trago-te aqui, um dia comemos ali, noutro dia voltamos a fazer este passeio.
Noutro dia pouco importa… Neste dia, marcou diferença.

Inverno no fim da Primavera

Não aprendeste que às vezes basta compreenderes que posso ter outro ponto de vista e pedires desculpa. Não é dares-me razão: é pedires desculpa por não concordares. Por me magoares.
Tento pôr um remendo porque dói, e tu borrifas com água oxigenada estragando o meu curativo. Talvez vivas convencido que faz bem porque mata todos os germes: mas provoca um ardor imenso.

Há greve de metro e por isso insistes (teimosa e um pouco imbecilmente) em dar-me boleia logo de manhã, atrasando-te para os teus compromissos. [Como é possível que não me perguntes como regresso a casa?]
A tua razão foi porque sim, como se fosse obrigação deixares-me em Lisboa. Com o trânsito pensei que teríamos 30/40 mins para conversar… Mas não.

Não entendo se o meu egoísmo me cega a razão e me faz concentrar nos teus defeitos… Ou se o teu egoísmo anda tão centrado em ti que não reparas no impacto que tem em mim.
Parece que andas mais longe do que uma chamada telefónica, mesmo que estejas comigo.
Quis explicar as coisas importantes que aprendi, para fazer de ti melhor pessoa, porque me pediste que te ajudasse. Falei-te numa equação ligada aos casamentos felizes, num rácio de 5:1 (dizer ao outro 5 coisas positivas por cada 1 coisa negativa), mas não me deixaste explicar que não é sobre nós próprios, é sobre o outro; que não é mentir, dar graxa ou inventar, mas pegar em 5 coisas que o outro tem de bom e pronunciá-las, mesmo que sejam evidentes. Eu tenho feito esse esforço… Reparaste?

Tenho uma música melancólica que não me sai da cabeça… E que se apropriou do espírito por inteiro. E frio. No fim da Primavera, e está tanto frio…

“Correr por gosto, não cansa”

Aos 14 anos eu saia da Avelar às 18h25. A seguir, galgava Odivelas para estar na ESR as 18h45, quando o meu amado saia. Depois acompanhava-o até à paragem mais perto de minha casa onde apanhava o autocarro das 19h se tinha pressa ou um dos 2/3 seguintes para estar mais um pouco comigo. Só então eu regressava a casa.
Foi isto que fiz de Setembro a Janeiro, 2 a 3 vezes por semana.
Até mesmo quando o colega dele aparecia sozinho a dizer “Ele hoje teve de ir mais cedo, foi para a paragem de cima…” eu não desisti. Por isso me chocaram tanto as últimas palavras. Eu que corri (literalmente!) tanto por ele.
Soube que náo tinha morrido apesar de ter passado muitas e muitas noites a chorar. Soube que iria sobreviver porque nunca perdi o apetite e a vontade de comer. Soube-o na altura, confirmei-o da vez que voltei à vida.

Quando voltei a namorar (após o Verão…) saia da ESR a meio da tarde e ele esperava-me ao portão, ainda no tempo em que ambos andávamos a pé. Foi no Companhia e num ou outro banco de jardim que passámos o tempo até à hora de jantar. E a mãe disse “Nada de namoro na rua, não te quero nas bocas do mundo!”. Tu aceitaste, eu trouxe-te para casa, eles amam-te. Acomodámo-nos.
. Tanto que agora, na hora do Até Amanhã!, choramingamos como pequenos que queriamos ser verdadeiros adultos.
. Tanto, que agora onde quer que me apanhes, qualquer que seja a hora, caminhas para minha casa sem perguntas.
Acomodamo-nos.

Isso devia ser bom, mas…
Eu endoideci e quero namorar na rua, pouco me importando com as bocas do mundo. Quero que me leves, que me mostres todas essas histórias desses sítios que já viste e prometeste sem cumprir; que me mostres aos outros. Que me obrigues a correr. É o mais doce do romance que vivi: o correr por, o correr com.
Não vês que não somos velhos?? Não vês que um dia ficamos a valer?! Por favor, por favor… Faz-me correr, não me dês tudo! Vem correr comigo, vamos conquistar o mundo…

Vendaval

“Não fiques a dormir no sofá…”
“Porquê?”
“Porque dormes melhor na cama.”
“Já passei tantas noites aqui…”
“Eu sei.”
“Não sabes não…” E nem tens meio de saber.

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Passou mais de uma semana do vendaval.
Sintra, a Serra do Buçaco, a minha rua… Aqui tudo está bem e normal. Mas quase duas semanas depois sabe-se que Pombal ainda não tem energia, e que em mais sítios se vive o mesmo. Por aqui está fresco, está de chuva, está melhor. É arranjar o que ficou estragado… E pronto.
Ouvi algumas notícias de Alertas de várias cores, das maiores ondas na Nazaré e em Peniche, da velocidade do vento de Norte a Sul.
Mas não ouvi ninguém explicar nada. Nem vi ninguém alertar sobre o futuro.
Na Batalha, uma estátua do Mosteiro caiu ao chão, e roubaram as pedras!! O que se aprendeu com isto?

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Estou nesse jeito de desordem. De partir e virar tudo. Sem que se preste muita atenção.
Fazes um esforço. Fazemos um esforço. Eu faço um esforço.
Não consigo, desliguei.

Mas não te posso explicar o que não sei. Nem alertar sobre o futuro que não conheço.
Em mim, também se podia arranjar o que ficou estragado… E pronto.

07-11-2012

Está frio. Está muito frio. Tanto como se eu estivesse na Serra da Estrela, no Gerês, em casa em Oleiros, ou no Alasca.
Visto o camisolão de lã, o impermeável (porque além do frio chove a maior parte do tempo), os ténis e faltam-me umas luvas e um gorro, uma boina ou um chapelinho catita.
Vou a pé até ao metro. É um passeio que gosto de apreciar. Levo a mochila cheia do portátil, das agendas, de comida, e do chapéu de chuva. Preferia estar contigo, num café ou num jardim. Em casa ou no carro, por aí.
Hoje não estive contigo. E isso não é difícil. Oito dias também o não serão… Mas se fosse eu a mandar, seriam dias longos, compridos e vazios… Oxalá fosse eu a mandar. Oxalá pudesse ter bateria no telemóvel. E sim: se fores parar a uma prisão eu vou buscar-te.
Mas enquanto vais e não vais, eu vou-me preparando.

Se devíamos estar mais crescidos,
porque nos acho cada vez mais miúdos?

Caixas/inhas/otes

Caixas, caixinhas e… caixotes.

É onde se guardam as coisas. Todo o tipo de coisas.
E o tamanho das caixas depende do tamanho das coisas. Bem… mais ou menos. Às vezes as caixas/inhas/otes estão organizadas por temas, por assuntos, por cores, por músicas, por pessoas. Depende, sabem?

Eu ando em arrumações e limpezas. Outra vez. Mais uma vez…
É como se não conseguisse fazer mais nada, enquanto não estiver tudo organizado, arrumado, CONTROLADO.
Conclusão?
Salta-me tudo fora do baralho…

Um empurrão, um pensamento, um receio, uma certeza, montes de dúvidas, discórdia, conflito, felicidade, distress… E assertividade. Um bocadinho, pouquinho.
Apesar de tudo, a consciência. Mesmo com o nervoso miudão.

“Isto ponho neste, isto guardo naquele…”
Agora funciono com caixotes, onde ponho apenas uma coisa. Para que tenham espaço e não estejam nada apertadas, porque para mim são coisinhas que me chateiam como se fossem gente crescida. E da próxima vez que fizer limpezas, não vou perceber porque tenho tanto espaço cheio de caixotes vazios. Nessa altura passo tudo para caixas, depois caixinhas, e outro dia deito fora. Espero eu… Se não, vou guardar num sotão poeirento, onde cada vez que lá for vou magoar as pernas nas esquinas dessa lixarada. Lixarada que toda junta chamo vida.