Ruídos

Organizo a agenda e penso numa amiga que me preocupa, por isso combino uma conversa com a desculpa de uma boleia para casa.

Saio do trabalho para ir ter ao dela, mas como ainda tenho dez minutos de espera entro numa capela lindíssima. Meia dúzia de pessoas reza ou espera pela confissão, paira o sossego no ar e eu sento-me, depois ajoelho, e pondero sentar-me no chão encostada à parede e abraçada aos joelhos (que para mim é a posição mais confortável para orar). Tal como na meditação, tento focar-me nas minhas sensações, mas a mente dispersa nos ruídos das tarefas que me aguardam e preciso repetir muitas vezes essas tentativas de estar presente no momento actual.

Eis senão quando… uma velhinha encontra outra velhinha amiga. Animadas, sentam-se imediatamente atrás de mim, numa igreja com capacidade para cerca de 100 pessoas sentadas. Animadas conversam, alheias à atmosfera de sossego e silêncio que se dispersa à sua volta, recheada de olhares de esguelha repletos de um “chiu” oculto. Por mais que queira não consigo deixar de prestar atenção à conversa e com todos aqueles ruídos mal tenho noção de me ter levantado num pulo para me sentar o mais afastada possível.

Respiro. Olho o relógio e tenho de ir. Encontro a amiga, que diz estar bem, que manifesta interesse por mim e pelas minhas novidades, mas rapidamente chegamos aos assuntos que temos a tratar… Bem, mais ou menos. Entre aborrecimentos e complicações, chatices e preocupações, dramas e frustrações, os problemas são mais que muitos, todos encadeados uns nos outros, sem soluções ou estratégias e numa ordem de prioridades um pouco invertida… Parece que pouco posso fazer para ajudar, pelo que me dedico mais a escutar e a tentar compreender, mesmo quando as respostas às minhas perguntas fogem aos temas e levam a diferentes questões. Os ruídos parecem ser tantos dentro daquela cabeça e coração, que só mais tarde em casa distingo o possível grito de revolta que está a querer emergir.

E as minhas noites enchem-se de sonhos e pesadelos, tão ruidosos que agradeço o estado sonâmbulo das manhãs no metro. Escolho um “sítio feliz” e concentro-me em tornar o dia de hoje cada vez mais próximo dele.

A menos que haja ruídos.
Nesse caso distraio-me, deixo o tempo levar o melhor de mim… E repito tudo outra vez.

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