(des)pertença

Estou na cozinha e… Espera, reformula. Estou na cozinha dos meus pais e o frigorífico tem um zumbido novo. Não é novo para eles, mas é novo para mim. E isso incomoda-me mais do que devia. Não é do barulho, irritante e constante, é do choque que a minha casa – digo, a casa dos meus pais – continua em frente e muda, mesmo sem mim. Da sensação de (des)pertença.
Abro um armário à procura de uma coisa que já não está ali, foi mudada e arrumada noutro lado e de outra maneira. Se quando entro sinto que estou em casa, porque é que a casa está estranha e diferente? Quando é que mudaram coisas, que eu não percebi? Estive assim tanto tempo sem voltar aqui?

Há tempos, o meu quarto (o da minha casa) tinha um cheiro novo. Espera, reformula. O nosso quarto. O quarto dele?
O quarto cheirava a armazém, e lembro-me de pensar no cheiro de livros novos. Sabia que aquele cheiro era do tapete novo… mas lamentava o livro que, tendo acabado de receber e devorado, já tinha emprestado a quem ficou tão feliz de o ver quanto eu. Aquele cheiro fez-me sentir falta desse livro novo, da disponibilidade das suas páginas para me consolar com o seu aroma cheio de promessas.

Há mais ilusões.
Há as manhãs em que ele, estando a dormir profundamente, desperta e levanta-se, quando eu ainda mal me tinha deitado. E sinto réplicas daquela avalanche que me destrói. O Outono e o Inverno parecem mais duros do que o Verão. Por mim, preferia termos apenas Primavera. Procuro criar esse ritmo dentro de mim mas sinto-me presa nesse deslizamento da montanha.

À minha volta, na “minha” casa, tento criar espaço e pontos de ancoragem que me façam não precisar de usar aspas. Já sinto dentro de mim vislumbres desse sentimento de pertença, de uma casa, de um ninho, de um refúgio. Penso nos animais que usam o seu cheiro para marcar território. Como sou profundamente visual, espalho totens por todo o lado. E descubro – com surpresa – que resulta melhor quando o fazemos juntos. Aproprio-me do espaço quando o faço com ele. O processo é doloroso para mim, penoso para ele. Mas os resultados provocam-me carícias no âmago. Para mim, pendurar aquele espelho faz com que aquele pedacinho de parede passe (finalmente) a ser realmente nosso. (Finalmente).

E descubro que tenho ânsia por mais e mais e mais. Não me consigo conter. Porque é que tudo e todos me dizem que tenho de me conter? Sinto-me numa maré viva, a encher e a vazar, aceleradamente. Busco esses pontos de ancoragem para me agarrar, para sossegar, mas por mais que apalpe não consigo agarrar nenhum. Desapareceram? Estão submersos? Foram retirados, arrancados, destruídos?

Aninho-me embrulhada numa manta e mantenho-me anestesiada com tudo quanto me distraia. Só mais um pedacinho, preciso manter-me assim só mais um bocadinho…

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